sábado, 17 de setembro de 2011

Preconceito na Saúde Mental

A notícia informando que o Ministro da Saúde Alexandre Padilha passou uma madrugada na Cracolândia , no centro da cidade de São Paulo, é uma boa novidade no terreno da (des) assistência em saúde mental do Brasil. Ao conversar com usuários e traficantes, o Ministro observou uma realidade que vem sendo denunciada pela comunidade médica e psiquiátrica há muitos anos: alguns usuários de crack perdem completamente a capacidade crítica, vivem num mundo de degradação física e mental e não lhes resta outra alternativa a não ser a hospitalização involuntária para modificar o rumo do comportamento autodestrutivo .

A discussão que se impõe, subjacente ao tema da hospitalização psiquiátrica involuntária, e traz um pouco de compreensão ao mundo devastador da epidemia de Crack é sobre o tratamento das doenças mentais graves que, ao não receberem a devida atenção, determina o cenário lamentável que observamos em nosso cotidiano. Cada vez mais há pessoas que perambulam pelas ruas das cidades como mendigos e andarilhos, que dormem sob os viadutos e as marquises, procuram alimentos nas lixeiras e passam o tempo consumindo álcool e drogas, sobretudo as mais baratas como o Crack. Sem dúvida, trata-se de doentes mentais graves, e esse quadro é ainda mais desolador, na medida em que eles, sem cuidados mínimos com a sua saúde, contribuem diretamente para o aumento do contágio de doenças infecciosas.

O maior obstáculo ao tratamento das doenças mentais graves é vencer o preconceito da necessidade de um tratamento. Antes de se tomar alguma atitude é preciso reconhecer urgentemente que estamos frente a doenças que podem alterar de modo significativo a percepção, o pensamento e a conduta das pessoas. O próprio antagonismo existente entre os profissionais que atuam na esfera da assistência em saúde mental é um indicativo de que estamos frente a problemas psicológicos expressivos. Uma das principais reações psicológicas desencadeadas pelas doenças mentais graves é exatamente a capacidade de provocar dissociações nas equipes de atendimento e, sempre que possível, a atribuição aos outros da responsabilidade pelos seus próprios problemas e fracassos.

Não é surpresa para a comunidade médica e psiquiátrica que as políticas públicas do Ministério da Saúde relacionadas à saúde mental, nos últimos 20 anos, não produziram resultados positivos no atendimento aos doentes. Na psiquiatria, assim como em qualquer especialidade médica, os pacientes mais graves necessitam ambientes especializados para o seu adequado tratamento. O reconhecimento, do Ministro da Saúde do Brasil, de que alguns usuários de Crack necessitam de hospitalização psiquiátrica e, portanto, tratamento especializado, é um começo para mudar o cenário de preconceito em relação às doenças mentais graves. Para modificar a realidade da (des) assistência na saúde mental precisamos de ações concretas embasadas nas evidências científicas sobre as melhores formas de tratamento.
Fernando Lejderman
*Médico Psiquiatra

Nenhum comentário:

Postar um comentário