quinta-feira, 21 de julho de 2011

Por favor, não reclame!

ANS decide engavetar cerca de 10 mil queixas e consultas de consumidores sobre planos de saúde. Em 2008, auditoria do TCU já tinha verificado que o sistema de atendimento ia mal

A razão de existir da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) é a proteção e defesa do cliente de plano de saúde. O órgão encarregado de regular e fiscalizar o setor estampa em sua página na internet que o consumidor é o protagonista de suas ações. Mas a prática revela que os usuários não passam de meros figurantes. No início do mês, a Diretoria de Fiscalização, responsável pelo atendimento às reclamações, mandou engavetar, por meio de memorando interno, todas as queixas e consultas acumuladas desde março sem resposta — em torno de 10 mil. Quem quiser que reapresente a queixa, “fornecendo o maior número de informações possíveis sobre o caso relatado”.

Essa é a resposta que têm recebido os consumidores que perderam tempo nos últimos meses acessando os canais de atendimento da agência, que custam aos cofres públicos R$ 4,07 milhões por ano. O contrato com a empresa prestadora do serviço, a Algar Tecnologia e Consultoria, foi encerrado em 18 de maio, mas foi prorrogado por mais três meses, até 18 de agosto, ao valor de R$ 1 milhão. Problemas com planos de saúde lideram o ranking de reclamações dos órgãos de defesa do consumidor.

A justificativa da agência é que o sistema de cadastro das demandas do “Fale com a ANS” passou por processo de mudanças e que, por isso, não foi possível respondê-las. Mas não é de hoje que a ANS atende mal ao usuário. Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) realizada no órgão entre 2008 e abril de 2009 já havia detectado que o serviço destinado ao consumidor não funcionava bem.

Segundo o relatório do TCU, não foram apresentados dados sobre as taxas de resposta aos usuários, de reabertura de demanda ou outros indicadores de resolução das reclamações. Há dois anos, a ANS apresentou ao tribunal a mesma explicação — de que a central de atendimento está em processo de mudanças para otimizar os serviços prestados — repassada aos consumidores que reclamaram e não foram atendidos. Foi o que os auditores ouviram dos responsáveis pela Gerência-Geral de Relacionamento Institucional em reunião realizada na sede da autarquia em 13 de junho de 2009.

Colapso e morte


Em março deste ano, a ANS chegou a avisar na internet que “o tempo de resposta das demandas” encontrava-se “um pouco maior que o usual”, ressaltando que o atendimento ao consumidor permanecia “em plena atividade pelo Disque-ANS (0800 701 9656)”. Na realidade, o Disque-ANS estava entrando em colapso.

Ao Correio, a ANS minimizou o problema. Informou que “os cidadãos que entraram em contato durante o período foram respondidos diretamente pela Central de Atendimento Disque ANS”. Só não foram atendidos “os que não ofereceram elementos suficientes para a resposta”. Para eles, foi encaminhada mensagem solicitando o reencaminhamento da demanda. A assessoria da ANS disse ainda que “não confirma o número de 10 mil” consultas ignoradas, mas não informou quantas ficaram sem resposta.

Os consumidores estão indignados. Margarete de Brito já protocolou diversas reclamações desde março. Para sua surpresa, recebeu três e-mails da ANS, todos dizendo para ela reapresentar a queixa, se tiver interesse. O servidor Valdemar Valverde já cansou de enviar e-mails para o órgão, sem obter resposta. “Se fosse um caso de vida ou morte, o paciente já estaria enterrado”, reclamou. Foi o que ocorreu com o aposentado Affonso Luccas, de 85 anos. Ele morreu num hospital público em São Paulo, sem obter o retorno da ANS.

Desabafo

“Sabemos que as agências reguladoras não funcionam, não cumprem o objetivo de sua existência. Quando tratamos de telefonia ou de energia elétrica, nos conformamos com o mau atendimento. Porém, quando falamos de saúde, é absurdo e sem sentido a agência trabalhar com os prazos atuais e achar justificativas para isso”, desabafou o empresário José Boelle.

Ivone Ribeiro constatou que o Sistema Único de Saúde é mais rápido que a ANS. Ela protocolou reclamação à agência em 5 de maio por causa da negativa de seu plano de cobrir uma cirurgia. Sem resposta da autarquia e do plano, recorreu ao SUS para fazer a cirurgia. “O SUS me atendeu mais rápido”, relatou.

Servidores criticam


Não são só os consumidores que estão descontentes com a atuação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). Os servidores do órgão também estão insatisfeitos. É o que mostra uma pesquisa sobre ambiente de trabalho feita em fevereiro pela Associação dos Servidores e Demais Trabalhadores da ANS (Assetans). Diante da garantia do anonimato, muitos não hesitaram em apontar as deficiências notórias do órgão regulador, como indicações políticas e ineficiência. “Curral de empregos”, “capturada pelo mercado” e “órgão onde a bagunça e o jeitinho reinam” foram algumas das definições atribuídas à ANS.

“Descoordenada, com diversos grupos de interesse disputando o poder entre si. O cidadão/usuário foi esquecido e essa ausência de integração acarreta desperdício de recursos humanos e materiais”, resumiu um servidor. A ANS consumiu R$ 145 milhões no ano passado para se manter. O órgão tem 482 servidores efetivos, fora os terceirizados. Os técnicos, de nível médio, começam ganhando R$ 4.760 e os analistas, R$ 9.263. Seus salários chegam a R$ 7.600 e a R$ 16.367, respectivamente. A remuneração inicial do especialista é de R$10.019, e a final, de R$ 17.249.

Para muitos servidores da ANS, a autarquia ainda não mostrou a que veio e não defende, de fato, o interesse público. Para alguns, a agência está à mercê do mercado segurador. “É uma instituição com pouca preocupação em dar uma resposta realmente eficiente à população”, criticou um servidor concursado. “Parece uma agência reguladora que não serve para nada”, apontou um terceirizado.

Loteamento


“Um órgão que tem por missão defender o interesse público, mas que sofre enormes interferências políticas, permitindo o loteamento de cargos que são ocupados por apadrinhados, que não possuem qualquer mérito e competência para ocupá-los”, definiu outro funcionário, em um desabafo. Para alguns deles, a ANS até contabiliza ações positivas, como algumas medidas regulatórias do mercado de plano de saúde, “mas com pouca efetividade”. Enfim, uma instituição que teria relevante papel na sociedade, mas não o desempenha a contento”, disse outro servidor.

Mas também há os que acham que tudo vai bem na agência reguladora. “Uma entidade séria, comprometida com o público”, elogiou um deles. “Um bom local para se trabalhar”, emendou outro. (AD)



Fonte: Ana D Angelo – Correio Braziliense

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