terça-feira, 2 de agosto de 2011

Doença inexistente também dói

HIPOCONDRIA O problema é considerado um transtorno e deve ser tratado com psicoterapia, mas nem sempre é levado a sério

Roger Pílula* tem 56 anos, é economista, trabalha com números, embora também seja escritor, tendo até publicado um livro infanto-juvenil. Como muitos cidadãos comuns, bebe uma cervejinha no sábado. Como muitos outros cidadãos, tem hipocondria, síndrome que trata há anos com a psicoterapia. Roger está entre os 2% e 4% de brasileiros hipocondríacos, de acordo com o Instituto de Psiquiatria da Universidade de São Paulo (USP). Ainda com causas indefinidas, a hipocondria é comum em pessoas com grau de ansiedade elevado. Após o diagnóstico, o tratamento é feito com a psicoterapia e, em alguns casos, com ansiolíticos ou antidepressivos.

Definida como um transtorno na décima edição da Classificação Internacional de Doenças (CID-10) – publicação da Organização Mundial de Saúde (OMS) com todas as doenças e os problemas relacionados à saúde – a hipocondria aparece no dicionário como “Substantivo feminino. 1.Psiq. Afecção mental em que há depressão e preocupação obsessiva com o próprio estado de saúde.” Mais do que essa definição formal, a pessoa acometida por esses sintomas sofre, e muito. “Não chego ao nível de ir a médicos ou achar que tenho muitas doenças. Mas é uma angústia”, relata.

Essa dor é real, explica a psicóloga Jacira Andrade. “O hipocondríaco geralmente elege um órgão como alvo, como cabeça, coração ou aparelho digestivo, e tende a interpretar sensações normais e sintomas leves, uma dor de cabeça persistente, por exemplo, como uma doença grave”, esclarece Jacira.

De acordo com o professor de psiquiatria da Universidade Federal da Paraíba (UFPB) Alfredo Minervino, que integra a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), o termo moderno para a hipocondria é transtorno somatoforme. “Embora as explicações médicas não consigam identificar o que o paciente sente e da forma amplificada como ele sente, a pessoa acometida pelo transtorno somatoforme sente os sintomas.”

No entanto, a doença não deve ser confundida com a nosofobia, que é a fobia por doenças. “Nosofobia é o medo de contrair doença e pode ser classificado na esfera das fobias específicas. Já a hipocondria tem características evidentes de alterações em toda a esfera psíquica”, diz o psiquiatra.

Ou seja, a pessoa acometida pela hipocondria acredita que, de fato, está doente. “A característica principal do hipocondríaco é uma preocupação com o medo ou com a ideia de se ter uma doença séria, com base na interpretação equivocada de sinais e de sensações corporais que passam a ser sentidas por quem tem o transtorno e que persistem, apesar das evidências contrárias e da garantia médica de que não existem”, explica Minervino.

Roger acredita que seu transtorno pode estar relacionado a três fatores: a carência afetiva, a criação que teve na infância e seu trabalho. “Quando digo que sinto uma dor e vou ao médico, mesmo que ele diga que não tenho nada e afirme que a dor é psicológica, chamei a sua atenção. Além disso, trabalho com números e acabo fazendo muitas associações com os sintomas de doenças, com medo de ter algo e morrer. Aí é que entra o sofrimento, a ansiedade”, afirma o economista. Com veemência, diz que o hipocondríaco não pode nem pensar em saber sintomas de doenças.

Para amenizar seu sofrimento, Roger busca apoio na família e na psicoterapia. Roger sente-se bem melhor, embora carregue na maleta de trabalho uma miscelânea de comprimidos, remédios e até folhas de boldo. “Tem remédio para colesterol, pressão, fígado, coluna, tem analgésico, relaxante muscular e chá. Ando com eles na bolsa porque posso ter alguma doença que já tive antes”, justifica e acrescenta: “Pior é um colega meu que tem até aparelho para aferir pressão!”

A automedicação é um dos principais riscos para uma pessoa que tenha esse transtorno de ansiedade, aponta Jacira Andrade. “Aí é que está o perigo. Você pode até ter um comprimido na bolsa, mas o problema é quem toma os remédios por conta própria. Em alguns casos, medicamentos errados ou totalmente desnecessários ou ineficazes.”

A psicóloga explica que o hipocondríaco é autossugestionável e geralmente é uma pessoa bastante ansiosa, além de ter uma carência que tenta superar despertando a atenção, mesmo que inconscientemente.

“A ansiedade passa a ser um transtorno quando é desproporcional à situação que a desencadeia. Sentir os sintomas de uma doença também ajuda a chamar a atenção de familiares ou amigos. Mas o hipocondríaco pode sofrer com isso. Para ele, seria até reconfortante se tivesse uma doença, pois assim teria uma justificativa para a dor que sente.”

Como o paciente não se contenta com a resposta do médico de que não tem nenhum problema, começa a procurar outros médicos e a realizar infindáveis exames cardiológicos. É o que diz o cardiologista e professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Hilton Chaves e doutor em cardiologia pela FMUSP, afirmando que alguns pacientes se sentem ameaçados pela possibilidade de estarem com uma doença. “O adoecer, geralmente, inferioriza e fragiliza o indivíduo.”

O médico já atendeu a pessoas que chegaram em seu consultório com queixas cardiológicas. “Me deparei com a situação de uma jovem que sentia um mal-estar como um ‘buraco no peito’. Mas, conversando com ela, chegamos à conclusão de que ela estava sofrendo porque havia sido abandonada pelo marido, que inclusive havia retirado todos os móveis da casa.”

Hilton destaca a delicadeza que o médico precisa ter nesse momento. “É nessa hora que temos que usar um outro estetoscópio, escutando um pouco mais o mundo interno do paciente. Há pessoas que chegam no consultório com pesquisas sobre as doenças que pensam ter. Em alguns casos, consigo ajudar com uma conversa franca no consultório. Em outros mais complexos, oriento que o paciente procure uma psicoterapia.”

Jacira Andrade enfatiza a importância do tratamento adequado, acompanhado por um psicólogo ou psiquiatra. “Ainda existe um preconceito muito grande, tanto dos próprios pacientes quanto dos familiares e até de outros profissionais. Mas é preciso desconstruir essa imagem para que essas pessoas sejam tratadas e possam ter uma melhor qualidade de vida. O ideal é que um médico que já acompanhe o paciente indique que ele procure um tratamento.” O tratamento pode ser feito com terapia cognitiva-

HIPOCONDRIA O problema é considerado um transtorno e deve ser tratado com psicoterapia, mas nem sempre é levado a sério.

Fonte: ABP/Jornal do Commercio

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